Cinema feito por mulheres ganha espaço, força e domina as telas na Mostra Mulheres+ em AL

Laura Gomes* | 03/07/2025 06:00


Apesar de avanços recentes, a desigualdade de gênero na produção audiovisual brasileira ainda persiste. Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) mostram que, entre 1995 e 2005, apenas 18% dos filmes nacionais foram dirigidos por mulheres. Em 2017, esse índice caiu para 16%. 

Em Alagoas, o cenário não é muito diferente: de 2010 a 2018, apenas 20% dos projetos contemplados por editais culturais, estaduais e municipais foram comandados por diretoras.

Entretanto, sinais de mudança começam a surgir. De acordo com o portal Alagoar, o Edital do Audiovisual de Maceió, lançado em 2019 pela Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC), registrou que 40% dos filmes aprovados tinham mulheres na direção. 

É nesse contexto de virada que acontece a 2ª edição da Mostra Mulheres+ no Cinema — um espaço de visibilidade para filmes dirigidos por mulheres e dissidências de gênero, que propõem novas formas de ver, sentir e imaginar o mundo.

 

Escuta e resistência

Um dos destaques da mostra é o curta-metragem Phoenix Club, dirigido por Gabriela Araújo. Com estreia nacional na Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme mergulha na história de Valeriano, um homem LGBTQIAPN+ mais velho, que encontra refúgio afetivo e espiritual em um clube decadente.

“Mais do que referências diretas, o filme foi guiado por uma escuta muito íntima do tempo, da memória e da ausência. Existe uma nostalgia muito forte”, explica Gabriela, formada pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Sua trajetória no audiovisual foi marcada pela escuta de vozes à margem. O ator que interpreta Valeriano, Almir Guilhermino, foi seu professor e inspiração para o projeto. “Trazer à tona um personagem como Valeriano foi um gesto político e afetivo. Essa história se conecta com o meu olhar porque fala da necessidade de criar espaços de escuta e pertencimento intergeracional.”

 

Trecho do filme Phoenix Club | Reprodução

 

O curta emocionou o público em Tiradentes com a delicadeza das relações entre os personagens e o clube como espaço de liberdade. De volta ao estado natal, sua exibição na Mostra Mulheres+ carrega um simbolismo especial para Gabriela: “A mostra é um território de escuta e afirmação, e Phoenix Club dialoga diretamente com essa proposta”.

Para a diretora, fortalecer o cinema feito por mulheres vai além de aprovar projetos em editais. “É preciso garantir permanência, formação continuada e redes de apoio. A realização de Phoenix Club foi atravessada por uma rede de afeto e colaboração — e é isso que mantém muitas de nós no audiovisual”, conclui.

 

“Chegou a vez das anti-heroínas ocuparem as telas”

Luiza Leal, idealizadora da Mostra Mulheres+, acredita que o cinema feito por mulheres em Alagoas vem rompendo com as estruturas dominantes. “Apesar da força dos cineclubes, festivais e ações formativas, o mercado ainda é hostil para mulheres e dissidências de gênero, que enfrentam racismo, transfobia e lesbofobia nos sets de filmagem”, denuncia.

O tema da segunda edição, “Desapropriando corpos dissidentes”, convida a deslocar o olhar hegemônico do cinema nacional. Para Luiza, a produção audiovisual feita por mulheres no estado tem escancarado temas, linguagens e personagens que desafiam as normas, propondo novas formas de imaginar a sociedade.

 

Roda de conversa na 1º Mostra Mulheres+ | Assessoria 

 

“Filmes como Ana Parideira, Um dia ela amanheceu assim e Ainda escuto o céu embaixo d’água questionam o papel social da mulher e suas decisões sobre o próprio corpo. Agora, chegou a vez das anti-heroínas ocuparem as telas”, afirma.

A mostra também presta homenagens a duas figuras históricas: Adélia Sampaio, primeira cineasta negra a dirigir um longa no Brasil, e Rosa Mossoró, empreendedora que transformou a noite maceioense em espaço de acolhimento LGBTQIAPN+ desde os anos 1970. “São mulheres que desobedeceram o contrato heterossexual e construíram suas próprias trajetórias”, resume Luiza.

Com curadoria feita por artistas e pesquisadoras alagoanas, a mostra propõe uma reimaginação do mundo, inclusive com uma nova versão do Olimpo. Entre os destaques está o premiado curta Entre Corpos, de Mayra Costa, vencedor da 15ª Mostra Sururu e da 28ª Mostra de Tiradentes, exibido na sessão “Morfeu não é só sobre sonhos”.

 

Programação completa da 2ª Mostra Mulheres+ no Cinema

04 de julho (sexta-feira) – Theatro Homerinho

- 18h00 – Abertura oficial da 2ª Mostra Mulheres+ no Cinema

- 18h15 – Apresentação das Atividades Formativas

- 19h10 – Painel: As mulheres no Festival de Cinema Brasileiro de Penedo – Memória e gênero no audiovisual, com Cíntia Ribeiro e Carmen Lúcia Dantas

- 20h00 – Exibição do longa Alma do Deserto (dir. Mónica Taboada-Tapia, 2024)

- 21h30 – Bate-papo com a diretora

 

05 de julho (sábado) – Theatro Homerinho

- 14h00 – Abertura solene

- 14h30 – Sessão 1 da Mostra+ Brasil

- 15h20 – Mostra+ Videoclipes

- 16h00 – Mesa: Trilha sonora – processos de criação, com Karina Buhr, Fernanda Guimarães e Telma César (mediação: Izabela Costa)

- 17h00 – Sessão 1 da Mostra+ Alagoas

- 17h30 – Sessão 2 da Mostra+ Alagoas

- 18h10 – Sessão 2 da Mostra+ Brasil

- 19h00 – Debate com realizadoras

- 21h00 – Show de Karina Buhr (PE)

 

06 de julho (domingo) – Theatro Homerinho

- 14h00 – Abertura solene

- 14h20 – Sessão 3 da Mostra+ Brasil

- 15h10 – Sessão 3 da Mostra+ Alagoas

- 16h10 – Mesa: A jornada da anti-heroína, com Ana Caroline Brito, Mónica Taboada-Tapia e Tuca Siqueira (mediação: Luiza Leal)

- 17h00 – Sessão 4 da Mostra+ Brasil

- 17h50 – Debate com realizadoras

- 19h00 – Performance Leviathan

- 19h30 – Cerimônia de premiação

 

 

*Estagiária sob supervisão da editoria